quarta-feira, novembro 23, 2011

O Xaile - Contributo para a Recuperação de um Património Imaterial

No passado dia 19 de Novembro de 2011 tive o grato prazer de apresentar o tema “O Xaile - Contributo para a Recuperação de um Património Imaterial” nas XVII Jornadas Técnicas de Etno-folcore organizadas pela Associação de Folclore e Etnografia da Região do Mondego na Casa Municipal da Cultura, em Coimbra.
Estas Jornadas contaram ainda com o contributo da Srª Dr.ª Madalena Braz Teixeira e da Sr.ª Dna Maria Alcide Rodrigues, bem como, com a colaboração do Sr. Inspector Lopes Pires.
Foi um dia dedicado ao Xaile, que culminou com um desfile de magnificas peças dirigido pelo Sr. Dr. Joaquim Correia, Presidente da AFERM.
O público, constituído na sua maioria por elementos de ranchos folclóricos da região, aderiu e participou nos vários debates que se foram fazendo.
Quem esteve presente teve uma oportunidade única de enriquecer os seus conhecimentos sobre esta magnifica peça, que nesta região atingiu o seu expoente máximo.
Sem dúvida que Coimbra é a Capital do Xaile.

De forma muito breve deixo de seguida um resumo da minha apresentação, já que o trabalho que produzi possui muitas páginas e será difícil a sua publicação integral. No entanto quem o pretender pode solicitá-lo pelo e-mail c.alvescardoso@gmail.com.

“O Xaile - Contributo para a Recuperação de um Património Imaterial”

AS ORIGENS DO XAILE
Os primeiros destes xailes vieram de Caxemira, na Índia, "descobertos" por viajantes (principalmente ingleses) que os traziam como presentes para esposas, mães e filhas.
Diz-se que, em 1796, um persa cego chamado Yehyah Sayyid visitou Cachemira e governador afegão ofereceu-lhe um xaile. Sayyid, por sua vez, ofereceu-o ao Quediva do Egipto, que o presenteou a Napoleão e o deu a sua esposa a Imperatriz Josefina de Beauharnais.
Em França causou inveja e em breve as mulheres elegantes procuraram por todo os meios obter o seu próprio xaile de Caxemira.
Os xailes tornaram-se o desejo de qualquer dama elegante da europa e américa.
A raridade, elevado preço e muita procura fomenta o surgimento de imitações em França, Alemanha e Inglaterra, produzidas com lã de cabra, lã merina, de seda e de algodão.

INTRODUÇÃO EM PORTUGAL
O xaile terá chegado a Portugal sensivelmente na mesma altura que ao resto da europa, diz-se que também trazido por marinheiros regressados do oriente.
Francisco Ribeiro da Silva detectou a presença de um xaile entre o rol das mercadorias confiscadas na Alfandega do Porto entre 1789 e 1791.
Como é óbvio, sendo um artigo contrabandeado significa que existe uma procura, um mercado, que é apetecível e que seria um produto apenas ao alcance de alguns privilegiados. Por via do contrabando os ricos não privilegiados conseguiam obter produtos que os colocava a par dos privilegiados e, aparentemente, o xaile seria um excelente sinal exterior de riqueza.
O Dicionário de António Morais Silva (2ª edição de 1813) define “Chalé, s.m. (do Hespanhol) – lenço pintado de marca mayor, que as mulheres trazem pelos ombros, dobrado de sorte que fique em três pontas, sendo o lenço quadrado. Os ingleses chamão chales a uma porção de certo longor, e largura de tecido mui fino de lã de camello, de comum amarela, que as mulheres lançavão ao pescoço, e as pontas enrolavão em redor do corpo até à cintura, e são assás caros; vêi da Índia Oriental (a Shale).”
A inscrição da palavra “Chalé” no dicionário de António Morais Silva significa que esta peça de vestuário era já conhecida e utilizada em Portugal no primeiro quartel do sec.XIX.
Por outro lado, a referência à origem espanhola estará directamente relacionada com o “Manton de Manila”. Ao que se diz foi inventado pelas operárias das fábricas de tabaco em Sevilha. As folhas de tabaco vinham das Filipinas embrulhadas em panos chineses velhos, muito ornamentados e de forma quadrangular. As mulheres cortavam-nos e colocavam-nos em triângulo sobre os ombros deixavam os braços livres para trabalhar e simultaneamente protegiam do frio. Era prático, mesmo para uma saída rápida à rua.
António Morais Silva faz ainda referência à origem do xaile, situando-a na Índia Oriental e à sua difusão entre as mulheres da sociedade inglesa.
Como é do conhecimento geral, entre nós a moda foi sempre muito influenciada pelo estrangeiro e este terá sido o principal motor para a introdução do xaile em Portugal, sendo mais plausível que a palavra xaile provenha da denominação inglesa “shawl”, do que da sua origem persa Shãl (shawl, chalé, xale, xaile).
Certo é que os primeiros xailes foram importados e simbolizavam estatuto social e poder económico só ao alcance de alguns.

A CONJECTURA SOCIOECONÓMICA E A POPULARIZAÇÃO DO XAILE
O xaile só chega às camadas populares no início do sec.XX, em resultado de um conjunto de circunstâncias socioeconómicas favoráveis.
Fim das convulsões sociais e políticas da 1ª metade sec.XIX (Invasões francesas / guerra civil);
Incremento de uma revolução industrial tardia, iniciada com o Fontismo (1868-1889);
Evolução tecnológica (mecanização);
Melhoria das vias de comunicação e do escoamento da produção (aumento da rede ferroviária e rodoviária);
Matérias-primas abundantes e baratas.
Alguns exemplos:
Rede rodoviária - 476Km - 1850 / 11.754km – 1907
Rede ferroviária - 69Km - 1856/ 2.898Km – 1910
Indústria têxtil principal empregadora entre 1850 e 1913 (61% em 1852 e 37% em 1911)
Em 1890 os salários dos tecelões entre 280 réis/dia e 800 réis/dia (Covilhã)
Na indústria entre os 360 réis/dia e os 500 réis/dia para os homens e os 160 réis/dia e os para as 220 réis/dia mulheres.
Salário médio na poda em Vila Real entre 139 réis/dia e os 185 réis/dia
Um xaile dos Pirinéus nos Armazéns do Grandela em 1913/14 custava entre 3.600 e 5.500 réis.
Uma operária fabril ganhava entre 4.160 e 5.720 réis/mês

DE ARTIGO DE LUXO A PEÇA DA INDUMENTÁRIA POPULAR FEMININA
A mulher camponesa sempre usou pelas costas uma espécie de agasalho, uma saia dobrada, capa, capucha, capoteira ou mantéu e finalmente apareceu o xaile.
O xaile, beneficiando da nova conjectura torna-se mais acessível às bolsas populares e contribui também imenso para o desenvolvimento da indústria.
Por outro lado a preferência popular pelo xaile resulta de:
Prático no uso diário - permitia maior amplitude e liberdade de movimentos;
Durabilidade - grande resistência, o que os tornava mais duráveis:
Facilidade de manter e acondicionar - não necessitavam de grandes cuidados com limpeza e ocupavam pouco espaço quando arrecadados;
Compunha a figura – uma mulher envolta num xaile escondia a pobreza do seu trajar e dando-lhe dignidade.
O xaile está presente em todas as ocasiões da vida da mulher-mãe.
Aconchega o recém-nascido e retribui a parteira;
Aos domingos e dias de festa é um complemento do melhor fato;
Peça de enxoval e complemento do trajo de noiva;
Resguardo do frio e da chuva;
Nos momentos de tristeza embiocava a cara e escondia a sofrimento. No luto cobria o corpo e xaile de cor é tingido de preto,pois noutra cor não teria mais utilidade;
Serve de mortalha;
É a peça que melhor passa de mãe para filha, uma vez que na maioria das vezes nada mais havia para herdar;
O Xaile é o “tapa misérias”.

Embora possamos encontrar xailes em todas as regiões do país, o gosto, os costumes locais e a riqueza da região ditaram preferências por determinados tipos de xaile.
Em Trás-os-Montes e nas Beiras o xaile é negro, seja domingueiro ou de uso diário. No Alentejo, Ribatejo e Algarve além do negro, surgem outras cores, como o castanho ou o cinzento, lisos ou com padrões sóbrios.
O xaile adquire expressão máxima na região da beira litoral, sobretudo nos distritos de Aveiro e Coimbra, que considero a “Capital do Xaile”. Nesta região, o gosto popular pelo uso do xaile enquanto complemento e adorno do traje, levou ao uso de uma multiplicidade de tecidos de materiais diversos, de padrões, de estampados e de cores inaudito e singular, fomentando uma indústria e um conjunto de artes e ofícios intimamente relacionado com esta peça de vestuário.
O xaile está intimamente ligado à figura da mulher e à sua vivência.

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